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Cálculo sem Limite: A Teoria do Operador Autodestrutivo

A nova matemática, fruto dos trabalhos pioneiros de René Descartes (1596-1650) (a ideia do cogito ergo sum, que se materializou no plano cartesiano) e que atingiu um novo patamar com o método dos Fluxos de Isaac Newton (1643-1727) sofreu um duro golpe ainda em seus primeiros anos após a publicação dos trabalhos do bispo anglicano George Berkeley (1685-1753) no início do século XVIII. Independente de que vertente você goste mais (cálculo diferencial de Leibniz ou fluxos de Newton), o cálculo esbarra nos conceitos de limite, infinitésimo e continuidade desde o começo. Berkeley questionava a forma com que Newton obtinha suas derivadas. O problema era que o incremento “enxertado” no início do cálculo era descartado posteriormente por ser considerado desprezível. Se esse valor desprezível não fosse utilizado no começo, não daria certo, pois resultaria divisão por zero. Em sua crítica, Berkeley perguntava:

E o que são esses incrementos desvanecentes? Não são quantidades finitas nem infinitamente pequenas, nem sequer nada. Não poderíamos chamá-los de fantasmas de quantidades mortas?

E concluía:

Newton usou os infinitésimos assim como nas construções fazemos uso de andaimes, os quais abandonamos após o término da obra

Muitos matemáticos trabalharam para tentar contornar as críticas de Berkeley. A Escola Axiomática de David Hilbert produziu a seguinte declaração formal:

Sejam x e y dois números muito pequenos; o primeiro escolhido de tal modo que para todos os valores de h menor que y, e para qualquer valor de t, a razão…

Em 1966, Abraham Robinson publicou a Análise Non-Standar. Com o cálculo dos hiper-reais e o operador St., Robinson conseguiu manter os tais “andaimes” até o final do cálculo. Esse método serviu de inspiração para a Teoria do Operador Autodestrutivo desenvolvida pelo professor Aguinaldo P. Ricieri.

Nesse artigo, vou demonstrar como se deriva utilizando os Fluxos e o limite e apresentar o problema levantando por Berkeley. Em seguida, vou demonstrar como o operador autodestrutivo resolve o problema do “fantasma”.

O Método dos Fluxos

O gráfico abaixo é a forma mais didática de interpretar um fluxo:

Fique atento a esse Δx que apareceu. As relações trigonométricas produzem o limite genérico:

limΔx→0 [f(x + Δx) – f(x)] ÷ Δx

Para derivar uma função pelo método dos fluxos, basta aplicar a função objetivo no limite acima. Vamos ver um exemplo:

1. Função objetivo:

f(x) = 3x2 + 5x + 8

2. Substituindo no limite:

limΔx→0 [3(x + Δx)2 + 5xΔx + 8 – (3x2 + 5x + 8)] ÷ Δx

3. Fazendo a álgebra:

limΔx→0 [3Δx2 + 6xΔx + 5Δx] ÷ Δx

4. Aplicando o limite, encontramos a primeira derivada da função:

f'(x) = 6x + 5

O processo acima pode ser descrito em 5 passos. O problema está no passo 4:

Passo 1: função objetivo

f(x) = 3x2 + 5x + 8

Passo 2: dá-se um incremento Θ à função (aqui começa o problema)

f'(x) = [f(x + Θ) – f(x)] ÷ Θ

Passo 3: executa-se a álgebra de f'(x)

f'(x) = 3Θ + 6x + 5

Passo 4: Θ é muito pequeno, portanto, desprezível (esse é o problema)

f'(x) = 30 + 6x + 5

Passo 5: obtém-se a derivada da função

f'(x) = 6x + 5

O Método dos Operadores Autodestrutivos

O método dos operadores autodestrutivos resolve o problema do tal “fantasma” ou “andaime”, que é o alicerce da forma clássica de se resolver derivadas. Algo que chama a atenção na estrutura do operador autodestrutivo é o “operador amilcarniano” ou “símbolo de Amílcar” . Esse símbolo foi nomeado em homenagem a um colega de departamento do professor Ricieri no ITA. Foi meio difícil achar o caracter referente a esse símbolo para colocar aqui no artigo. Ele designa a desconexão das funções pertencentes a super-função. A inspiração para aquele símbolo veio da capa do famoso álbum do Pink Floyd, The Dark Side of The Moon. Na capa, vê-se um prisma separando a luz branca em suas componentes:

Propriedade 1: o operador autodestrutivo desacopla uma super-função de suas funções constituintes

R*f(x) f*(x + R*)

Propriedade 2: o operador R* operando ele mesmo dá como resultado 0. É daí que vem o nome do operador autodestrutivo

R*R* = 0

Propriedade 3: o operador autodestrutivo atuando em um número resulta o próprio número

R*N = N

O objetivo do operador autodestrutivo é apresentar todas as derivadas sem perda do que foi utilizado para chegar a elas. Vamos ver um exemplo.

1. Função objetivo:

f(x) = 3x2 + 5x + 8

2. Aplicando o operador R*:

R*f(x) R*(3x2 + 5x + 8)
R*f(x) R*(3x2) + R*(5x) + R*8

3. Aplicando a propriedade 3:

R*f(x) R*(3x2) + R*(5x) + 8

4. Aplicando a propriedade 1:

R*f(x) 3(x2 + R*2x + R*R*) + 5(x + R*) + 8

5. Aplicando a propriedade 2:

R*f(x) 3(x2 + R*2x + 0) + 5(x + R*) + 8
R*f(x) 3x2 + R*6x + 5x + R*5 + 8

6. Colocando em primeiro lugar os termos já operados por R*, obtemos a função original:

R*f(x) 3x2 + 5x + 8 + R*6x + R*5
R*f(x) f(x) + R*6x + R*5

7. Aplicando a propriedade 3:

R*f(x) f(x) + R*6x + 5

8. Aplicando a propriedade 1:

R*f(x) f(x) + 6(x + R*) + 5
R*f(x) f(x) + 6x + R*6 + 5

9. Colocando em primeiro lugar os termos já operados por R*, obtemos a primeira derivada:

R*f(x) f(x) + 6x + 5 + R*6
R*f(x) f(x) + f'(x) + R*6

10. Aplicando a propriedade 3:

R*f(x) f(x) + f'(x) + 6

11. Colocando em primeiro lugar os termos já operados por R*, obtemos a segunda derivada:

R*f(x) f(x) + f'(x) + f”(x)

Ou seja:

f(x) = 3x2 + 5x + 8
f'(x) = 6x + 5
f”(x) = 6

O método do operador autodestrutivo pode ser descrito em 5 passos. O funcionamento desse método dispensa a gambiarra do incremento descartável. O passo 4 elimina o elemento que não está em função de x utilizando as próprias propriedades do operador:

Passo 1: função objetivo

f(x) = 3x2 + 5x + 8

Passo 2: aplicar o operador autodestrutivo R*

R*f(x) = f(x + R*)

Passo 3: executa-se a álgebra

R*f(x) R*(3x2 + 5x + 8)
R*f(x) R*(3x2) + R*(5x) + R*8

Passo 4: aplica-se a propriedade 2

R*R* = 0

Passo 5: obtém-se a primeira derivada da função

R*f(x) f(x) + R*f'(x)
R*f(x) 6x + 5 + R*6

Referências

1. RICIERI, Aguinaldo P. Cálculo sem Limites – Operador Autodestrutivo. Editora Prandiano, São Paulo, 1992.

2. SANTOS, João Luiz dos. Uma Retrospectiva Histórica do Cálculo Diferencial. INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA DO RIO GRANDE DO SUL. Disponível em: [http://rodrigomat2004.pbworks.com/w/file/fetch/89732927/grupo8_joao.pdf]. Acesso em 08 jan. 2020.

  1. sakurakooomuro
    23/06/2022 às 8:54 PM

    Excelente publicação! Tenho uma cópia do original assinado pelo próprio Ricieri, é um item muito prezado e fico triste que não é conhecimento comum, afinal chega nas derivadas de maneira tão mais elegante e bela comparado ao método de Riemann… Além de ser mais fácil de ensinar num geral.

  2. 24/06/2022 às 6:15 AM

    Olá. Obrigado pelo comentário.

    Comprei esse livro em um sebo e adorei. O processo de resolução da derivada através desse método é mecânico, mas sem deixar de ser elegantes. Poderia ser ensinado nas escolas.

    Abs.

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