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O Paradoxo do Navio de Teseu

Como tributo pela vitória sobre os atenienses na região da Ática e como forma de vingar a morte de seu filho Androgeu ao afrentar o touro de Maratona a pedido do invejoso rei Egeu de Atenas, o rei Minos de Creta exigiu o pagamento periódico de sacrifícios humanos: anualmente, sete rapazes e sete moças seriam atiradas ao labirinto do Minotauro, um meio humano que era filho bastardo de Minos, para serem devorados pela fera. Na terceira vez em que um navio ateniense carregado de jovens foi enviado à Creta, Teseu, fruto de uma relação dupla de Edra com Egeu (rei de Atenas) e Poseidon (deus dos mares), se ofereceu para matar o temido Minotauro. Os navios partiam de Atenas com velas negras que simbolizavam o destino de seus passageiros, mas desta vez Teseu pediu para que fossem hasteadas velas brancas. Se o navio retornasse com as velas brancas, significava que a fera estava morta e os jovens estavam salvos.

Muito parecido com o que fazemos hoje, o navio de trinta remos tripulado pelo herói mitológico Teseu foi preservado como objeto de adoração durante 300 anos até os tempos de Demétrio de Falero (350 a.C., 282 a.C.). Com o passar dos anos, as partes podres do navio eram substituídas por partes novas e as partes trocadas eram guardadas em um armazém. Conta-se que um forasteiro de passagem pela cidade pediu para ver o famoso navio de Teseu. Ao ser informado das partes substituídas, o forasteiro perguntou se o verdadeiro navio era o do porto ou o do armazém. Essa questão despertou o interesse de muitos filósofos desde então, pois esse problema os levou a refletir sobre o conjunto de caracteres que devem ser levados em consideração ao comparar um objeto a outro. Baseado nesse problema, Plutarco propôs seu famoso paradoxo:

Teseu parte de navio do ponto A para o ponto B. Mas, ao longo de uma viagem de 50 anos, vai substituindo cada peça do barco conforme se desgastava ou apodrecia até que todas as partes sejam trocadas. Podemos afirmar que o navio que chegou em B é o mesmo que saiu de A? A tripulação não duvidada de que se tratava da mesma embarcação.

O navio de Teseu é um paradoxo da substituição: se um objeto tiver todas as suas partes substituídas, continuará sendo o mesmo objeto? E quanto a nós? Nos últimos dez anos, todas as células que compõe o nosso corpo foram substituídas. Nós continuamos sendo as mesmas pessoas de 10 anos atrás? Se todas as células foram substituídas, por que nossa memória aparentemente permaneceu intacta? Se existisse teletransporte, cada célula do seu corpo no ponto A seria copiada para uma estrutura equivalente no ponto B e você que está no ponto A seria destruído para ceder lugar para você do ponto B. Você do ponto B é o mesmo que estava no ponto A? É difícil dizer em que ponto uma coisa passa a ser outra observando um processo sequencial e granular de substituição de partes. Filósofos famosos tentaram responder essas perguntas.

Heráclito (540-470 a.C.) comparou o navio e suas peças a um rio: suas águas são constantemente renovadas, mas ele é sempre o mesmo. Ele acreditava que a identidade permanece intacta ainda que os materiais que a compunham fossem substituídos – tudo se modifica e flui.

Aristóteles (384-322 a.C.) sugere que a razão de todas as coisas é atribuída a quatro tipos de causas: material, formal, eficiente e final. Em seu estudo sobre substância e essência, ele concluiu que substância é a combinação daquilo que a compõe (causa material) e daquilo que a distingue (causa formal). A causa eficiente explica como a matéria recebeu sua forma e a causa final explica o porquê da existência das coisas e o motivo de serem como são. Em sua análise, entre os pontos A e B, o navio só mudava sua causa material. Portanto, ainda era o mesmo

Thomas Hobbes (1588-1679) sugere utilizar todas as peças substituídas para construir um segundo navio. Qual dos dois navios é o verdadeiro navio de Teseu? Trata-se de um problema de identidade. Para a tripulação, o navio foi renovado e não substituído. Hobbes quer dizer que um navio não pode se transformar em dois.

Gottfried Leibniz (1646-1716) acreditava que o navio que saiu de A era diferente do navio que chegou em B. Ele postulou uma lei que diz: “X é o mesmo que Y se, e apenas se, X e Y têm as mesmas propriedades e as mesmas relações, assim, tudo o que é verdade para X é também verdadeiro para Y, e vice-versa”. Sendo assim, se o navio que chegou em B tiver uma tábua diferente do navio que saiu de A, A e B são diferentes.

John Locke (1632-1704) aplicou o problema do navio a uma meia furada: se o buraco for remendado, ela continuaria sendo a mesma meia?

Conclusão

Não há uma resposta para o paradoxo do navio de Teseu. Um paradoxo é uma declaração que parece ser válida e logicamente verdadeira, porém, essa declaração se auto-contradiz e/ou nos leva à uma conclusão logicamente inaceitável. A importância desse paradoxo é que ele nos possibilita refletir sobre a mudança que nós e tudo a nossa volta sofre. Refletir é o primeiro passo para compreender alguma coisa.

Referências

1. BRENNER, Wagner. O Paradoxo do Navio de Teseu. Medium. Disponível em: [https://medium.com/update-or-die/o-paradoxo-do-navio-de-teseu-f5e691ed014c]. Acesso em 08 jan. 2020.

2. MENTE. A identidade e o navio de Teseu. A Mente é Maravilhosa. Disponível em: [https://amenteemaravilhosa.com.br/a-identidade-e-o-navio-de-teseu/]. Acesso em 08 jan. 2020.

3. LOPES, Victor. O que é o paradoxo do navio de Teseu?. A Mente é Maravilhosa. Disponível em: [https://super.abril.com.br/mundo-estranho/o-que-e-o-paradoxo-do-navio-de-teseu/]. Acesso em 08 jan. 2020.

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  1. WALDECIR FERREIRA DE MORAIS
    08/07/2020 às 12:11 PM

    Se o navio que sai do ponto A e, no percurso peças danificadas são substituídas, ocupando a mesma forma e, por sua vez o mesmo material, podemos afirmar que sim. Pois a essência do material, a semente da madeira utilizada carrega em si a mesma potencia de ser uma arvore, não importando qual formato ela terá ou nome que damos a ela.

  2. 08/07/2020 às 12:23 PM

    Boa tarde, Waldecir. Seu ponto de vista é interessante e está alinhado, de certa forma, com Heráclito. Com relação ao potencial, acredito que você esteja mudando o foco do problema: é necessário analisar o problema do navio pelo que ele é e pelo que suas partes são, e não pelo que poderiam ser ou foram.
    Abs.

  3. Lenilson Castro Ferreira
    30/08/2020 às 4:43 PM

    Boa tarde !!!

    Mas afinal de contas, o “navio de Teseu” realmente existiu ou apenas é um folclore da Mitologia Grega ?!

    E depois, os gregos antigos plausivelmente acreditaram que o tal navio se tornaria uma “peça de museu naval” para todo o sempre ??
    Simplesmente, em algum momento, ele fisicamente deixaria de existir e agora, só o que chegou até nossa época atual foi essa lenda atual. Por sinal, um brilhante paradoxo filosófico.

    Tchau e até a próxima …

    • 30/08/2020 às 7:42 PM

      Olá, Lenilson. Trata-se de um mito que foi utilisado como insumo de pensamentos filosóficos.

      Abs

  1. 10/02/2022 às 6:47 PM

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